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Mulheres que escrevem

O perfil do romancista brasileiro publicado por grandes editoras se manteve o mesmo por pelo menos 43 anos. Ele é homem, branco, de classe média, nascido no eixo Rio-São Paulo. Seus narradores, protagonistas e coadjuvantes são em sua maioria homens, também brancos, de classe média, heterossexuais e moradores de grandes cidades.” Assim começa a entrevista a Regina Dalcastagè publicada pela Revista Cult acerca de um importante estudo que analisa o período de 1965 a 2014. Adoraria que o estudo pudesse abranger os anos que vieram depois: tenho a impressão de que as mulheres têm ocupado cada vez mais o campo literário. Tenho lido romances, contos e poemas bem construídos, potentes, transformadores e originais escritos por mulheres. Sinto falta, ainda, de mais autoras e autores negros: nosso racismo estrutural parece ainda atravancar o caminho de livros escritos por eles à publicação. 

Trago aqui algumas sugestões de livros escritos por mulheres e publicados nos últimos anos, livros que me encantaram. Livros que trazem o olhar de mulheres a um mundo que sempre foi dos homens, e que em muitos sentidos ainda é. Eles não se encaixam no rótulo de literatura feminina. Esse rótulo nem deveria existir, assim como não deveria existir literatura indígena, negra ou de qualquer minoria, porque esse outro que se mostra na categoria assume como pressuposto de que o zero, o centro, a referência, é o homem ― geralmente homem branco, de classe média, heterossexual. A literatura escrita por mulheres não cabe em uma caixa, ela é múltipla, complexa, transbordante, escapa a tentativas de contenção. Todo mundo pode escrever sobre qualquer coisa, pode escrever sob o ponto de vista de qualquer narrador, pode inventar qualquer personagem; mas escrever sobre e do ponto de vista de um lugar que é seu coloca no mundo mais um elemento desse necessário mosaico, mosaico que, como diz Dalcastagnè, é feito de literaturas que prescindem de adjetivo.

Um corpo negro, de Lubi Prates, nossa editora

Livro que já nasceu clássico e que foi finalista dos prêmios Jabuti e Rio de Literatura, Um corpo negro é composto de poemas que revelam a “felicidade guerreira”, como diz o prefácio de Lívia Natália, de habitar esse corpo nomeado no título. 

Zaranza, de Rita de Podestá, Editora Reformatório

Contos que amplificam afetos, que os deslocam e devolvem revolvidos e como que mais verdadeiros. 

Uma baleia nunca dorme profundamente, de Lilian Sais, Editora Urutau

Poemas que te contam o que é ser mulher e ser baleia, poemas que te mostram como é difícil respirar embaixo d'água. 

Satélite, de Carla Kinzo, Editora Quelônio

Poemas que estalam, poemas que alcançam os gestos e o que há por detrás deles, poemas que colocam a vida em órbita.

Duas mortes, de Julia Bac, Editora 7 Letras

A poesia de Julia Bac é feita de delicadeza em estado bruto. Poemas precisos, reluzentes em seu caminho até os dias, o luto, a solidão.  

Cheia, de Natália Zuccala, Editora Urutau

A escrita de Natália Zuccala é uma impressionante lente de aumento para o corpo, suas sensações e seus abismos.

Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, Editora Pallas

A escrevivência de Conceição Evaristo nos oferece a história dessa protagonista que ousa contrapor ao real o seu sonho, que precisa do futuro pelas lacunas de seu passado. 

Elena Ferrante, Uma longa experiência de ausência, de Fabiane Secches, Editora Claraboia

Livro de crítica literária que nos acompanha como se fosse um romance. Para quem está com abstinência de Elena Ferrante, é um maravilhoso encontro com suas personagens, seus temas, a profundidade de sua escrita. 

Amor que parte, de Paula Autran, Editora Patuá

Poemas sobre quem fica. 

Bigornas,  de Yasmin Nigri, Editora 34

Poemas-golpes de peso-pena.

Sorte, de Nara Vidal, Editora Moinhos

Romance mestiço sobre esse Brasil feito de chegadas e partidas. Ganhador do Prêmio Oceanos. 

Desterro, Camila Assad, Edições Macondo

Como as mulheres habitam e transitam a cidade? Sobre esse desterro na própria terra dizem esses poemas. 

- Natalia Timerman

Pensando em contar um pouco dos bastidores da vida dos escrevedores, convidamos algumas escrevedoras que tem lugar cativo em nosso corazón para dividir diversos assuntos. Clica aqui para ler a Carol Ianino falando da relação dos seus pequenos com a tela; aqui para ler Adê falando sobre livros físicos x digitais; e aqui para ler a Tati falando sobre seu processo de escrita. 

Nascida em São Paulo, Natalia Timerman é médica psiquiatra pela Unifesp, mestre em psicologia e doutoranda em literatura pela USP. Publicou DESTERROS: HISTÓRIAS DE UM HOSPITAL-PRISÃO (Elefante, 2017) e a coletânea de contos RACHADURAS (Quelônio, 2019), finalista do prêmio Jabuti. COPO VAZIO é seu primeiro romance.


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